2025/12 — França alerta: acordo UE-Mercosul não é aceitável em sua forma atual
O futuro do ambicioso acordo UE-Mercosul enfrenta um sério obstáculo com a recente declaração do ministro francês da Economia e Finanças, Roland Lescure. Em uma entrevista à imprensa alemã, Lescure reiterou que o tratado de livre comércio, em sua configuração atual, é “inaceitável” para a França. Essa posição crítica coloca em xeque a ratificação de um pacto que levaria décadas para ser concretizado, ameaçando os planos da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, de visitar o Brasil para a sua assinatura. As preocupações francesas centram-se em questões fundamentais de proteção interna, padrões de produção e controles de importação, refletindo uma crescente tensão entre os benefícios potenciais de um vasto mercado e a salvaguarda de setores econômicos sensíveis, especialmente a agricultura europeia. O impasse francês e as condições para o acordo UE-Mercosul A declaração de Roland Lescure ao jornal econômico alemão Handelsblatt não deixou margem para dúvidas sobre a postura francesa: “Em sua forma atual, o tratado é inaceitável”. Esta afirmação, proferida no domingo, 14 de dezembro, sublinha a firmeza da França em relação às condições que considera indispensáveis para a aprovação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, bloco que integra Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A resistência francesa não é nova, mas sua reiteração em um momento tão crucial das negociações amplifica a complexidade do cenário político e econômico. As três condições da França O ministro francês detalhou as “três condições” que a França exige para dar seu consentimento ao acordo. A primeira e mais primordial é a inclusão de uma “cláusula de proteção forte e eficaz”. Esta cláusula visa resguardar setores sensíveis da economia europeia de picos de importação que poderiam desestabilizar os mercados internos, garantindo mecanismos de salvaguarda em caso de desequilíbrio. A preocupação é evidente no setor agrícola, onde a entrada maciça de produtos do Mercosul, muitas vezes com custos de produção diferentes e padrões regulatórios variados, poderia gerar concorrência desleal e prejudicar os produtores europeus. A segunda condição é que as normas de produção aplicadas na União Europeia “também devem ser aplicadas à produção nos países parceiros”. Isso significa que produtos importados do Mercosul, especialmente os agrícolas, deveriam aderir aos mesmos padrões ambientais, sociais e sanitários exigidos dos produtores europeus. Esta exigência busca assegurar um campo de jogo nivelado, evitando que produtos com custos de produção mais baixos, resultantes de regulamentações menos rigorosas, inundem o mercado europeu. Temas como desmatamento, uso de pesticidas e bem-estar animal são frequentemente citados neste contexto, especialmente para produtos como carne bovina. Por fim, a terceira condição refere-se aos “controles de importação”. A França demanda um sistema robusto e eficiente de monitoramento e verificação de todos os produtos que chegam do Mercosul, garantindo que cumpram as normas estabelecidas. Isso não apenas complementa a segunda condição, mas também visa aumentar a confiança dos consumidores europeus na qualidade e na origem sustentável dos produtos importados, minimizando riscos sanitários e ambientais. A implementação de controles rigorosos é vista como essencial para a aceitação pública e política do acordo. Consequências geopolíticas e econômicas da recusa A posição intransigente da França tem implicações significativas para a agenda diplomática e comercial da União Europeia. A recusa francesa coloca em risco a viagem ao Brasil que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tinha agendada para o próximo sábado, com o intuito de assinar o acordo. Tal evento seria um marco histórico, coroando anos de negociações entre os dois blocos. O adiamento ou cancelamento dessa viagem representaria um revés considerável para as relações transatlânticas e para a credibilidade da UE como um player global capaz de fechar grandes acordos comerciais. Impacto na agenda europeia e votação parlamentar Ainda que a assinatura de Ursula von der Leyen fosse um passo simbólico importante, a ratificação final do acordo UE-Mercosul depende do aval dos 27 Estados-membros da União Europeia e do Parlamento Europeu. Fontes europeias indicam que os Estados europeus deveriam se pronunciar sobre o acordo comercial entre 16 e 19 de dezembro. No entanto, antes disso, os Estados-membros aguardam o resultado de uma votação crucial no Parlamento Europeu, agendada para terça-feira, sobre garantias destinadas a tranquilizar os agricultores. Esta votação é vista como um termômetro da disposição política para avançar com o acordo e reflete a forte oposição de setores agrícolas, particularmente os franceses, que constituem uma voz poderosa na política europeia. A dinâmica política interna da França, com sua forte base agrícola e a sensibilidade em relação à soberania alimentar, torna a questão do acordo UE-Mercosul um tema delicado para o governo. A capacidade de Paris de influenciar outros Estados-membros, especialmente aqueles com preocupações agrícolas semelhantes, é considerável, podendo levar a um efeito dominó que dificulte ainda mais a aprovação do tratado. O que está em jogo: benefícios e resistências ao acordo Se aprovado, o acordo UE-Mercosul criaria uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, conectando um mercado de aproximadamente 722 milhões de habitantes. As vantagens econômicas potenciais são vastas e abrangem diversos setores. Para a União Europeia, o acordo permitiria exportar mais automóveis, máquinas, produtos químicos, farmacêuticos, além de bens de consumo de alto valor agregado como vinhos e azeites, para os países do Mercosul. Isso abriria novas oportunidades para empresas europeias e potencialmente impulsionaria o crescimento econômico e a criação de empregos. Preocupações dos agricultores europeus e concorrência desleal Contudo, a reciprocidade comercial também é um ponto de discórdia. O acordo facilitaria a entrada de produtos agrícolas do Mercosul no mercado europeu, incluindo carne bovina, aves, açúcar, etanol, soja e mel, entre outros. É precisamente neste ponto que reside a maior resistência por parte dos agricultores europeus. Eles veem a entrada desses produtos como uma concorrência desleal, argumentando que os produtores do Mercosul, especialmente no Brasil e na Argentina, operam sob regimes regulatórios e custos de produção distintos, muitas vezes menos onerosos em termos ambientais e sociais. A questão do desmatamento na Amazônia, por exemplo, tem sido um ponto sensível, com muitos críticos na Europa argumentando que a importação de produtos como a carne

