2025/12 — Deputado relata retenção de R$ 320 milhões para Alagoas à Polícia Federal
Uma complexa investigação da Polícia Federal (PF) revelou um suposto esquema de direcionamento e execução irregular de emendas parlamentares, culminando em uma operação recente que mirou Mariângela Fialek, conhecida como Tuca, ex-assessora do então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Os depoimentos de parlamentares detalham pressões políticas e a centralização de decisões sobre a destinação de bilhões de reais em recursos públicos. A denúncia central aponta para a manipulação das emendas de comissão, uma modalidade de investimento público que deveria ser definida de forma transparente e colegiada. As informações coletadas pela PF sugerem um padrão de atuação que priorizava interesses específicos, notadamente no estado de Alagoas, base eleitoral de Lira, levantando sérias questões sobre a gestão dos fundos federais. Depoimentos revelam esquema de direcionamento de emendas Os relatos colhidos pela Polícia Federal ao longo de 2024 pintam um quadro de forte pressão política e falta de transparência na gestão de emendas parlamentares. O esquema, que antecedeu a operação deflagrada contra Mariângela Fialek, descreve a centralização de decisões sobre a destinação de recursos bilionários, com o envio de planilhas sem identificação de autoria e com valores significativos já pré-definidos. O relato do deputado José Rocha (União-BA) O deputado José Rocha (União-BA) foi uma das vozes mais contundentes a depor à Polícia Federal. Ele assumiu a presidência de uma comissão responsável por emendas do Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional. Em seu depoimento, Rocha descreveu ter recebido, por meio de Mariângela Fialek, da então presidência da Câmara, minutas de ofícios e planilhas já prontas para sua assinatura. Esses documentos, segundo o parlamentar, indicavam a destinação de impressionantes R$ 1,125 bilhão em recursos. O que chamou a atenção de Rocha foi a completa ausência de informações cruciais nesses documentos. Não havia indicação dos autores das emendas, dos objetos específicos aos quais os recursos seriam destinados ou dos beneficiários finais. Diante dessa falta de detalhamento, o deputado optou por reter algumas das remessas, questionando a finalidade e a transparência. Um dos casos mais emblemáticos envolvia uma lista com R$ 320 milhões destinados ao estado de Alagoas, sem qualquer especificação sobre como seriam utilizados ou quem seriam os favorecidos. Rocha declarou: “Recebi uma relação com R$ 320 milhões para Alagoas, sem dizer o que ia ser feito nem quem era o autor. Eu segurei o envio para o Ministério, questionando que eu precisava saber que destinação teriam esses recursos. E quais seriam os beneficiários? Quais seriam os autores?”. Após reter essa e outras duas remessas de minutas de ofício e planilhas, o deputado relatou ter recebido uma ligação do então presidente da Câmara, Arthur Lira, que o repreendia por estar “criando problema”. Este incidente demonstra a intensidade da pressão sofrida por parlamentares que questionavam a falta de clareza na distribuição dos fundos. Centralização e pressão política Os múltiplos relatos apontam para uma notável centralização das decisões sobre a destinação de bilhões de reais em emendas de comissão na presidência da Câmara. Essa dinâmica, segundo os parlamentares ouvidos, replicava a controversa lógica do “orçamento secreto”, onde a falta de identificação dos autores das emendas e dos beneficiários dificultava a fiscalização e abria caminho para direcionamentos políticos. A pressão não se limitava a ligações diretas; parlamentares descreveram um ambiente onde o questionamento de procedimentos pré-determinados poderia levar a retaliações políticas ou a tentativas de substituição em cargos estratégicos. A ausência de debates formais e a imposição de planilhas pré-elaboradas minavam a autonomia dos colegiados e a transparência exigida na gestão de recursos públicos. Alagoas como foco e indícios de irregularidades A investigação da Polícia Federal tem destacado o estado de Alagoas como um beneficiário prioritário do suposto esquema, levantando questionamentos sobre a utilização de emendas parlamentares para fortalecer interesses políticos específicos, em detrimento de uma distribuição equitativa e baseada em necessidades reais. A visão de Glauber Braga (PSOL-RJ) O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) confirmou à Polícia Federal ter sido procurado por José Rocha no plenário da Câmara. Na ocasião, Rocha detalhou as pressões que vinha sofrendo em relação às emendas. Segundo Braga, a lista de emendas que Rocha deveria liberar claramente priorizava Alagoas e interesses políticos vinculados ao então presidente da Câmara, Arthur Lira. Braga afirmou que, por não executar as liberações conforme o esperado, Rocha recebeu uma ligação com a “ameaça de voto de desconfiança” para destituí-lo da presidência da comissão. Esse tipo de ameaça evidencia o nível de controle e a pressão exercida para garantir que a destinação dos recursos seguisse a linha desejada. O parlamentar do PSOL ainda comparou a operacionalização das emendas de comissão à lógica do orçamento secreto, onde o controle estava concentrado na presidência da Câmara. Ele citou especificamente o município de Rio Largo, em Alagoas, que, segundo sua análise, recebeu volumes “escandalosos” de recursos, inclusive por meio de comissões que não tinham deputados alagoanos entre seus integrantes, levantando suspeitas sobre o verdadeiro critério de distribuição. Falta de transparência e padrões administrativos Outros depoimentos corroboram a narrativa de falta de transparência e desvio dos padrões administrativos. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) declarou à PF que a destinação das emendas de comissão nunca foi discutida formalmente nos colegiados dos quais fazia parte. Segundo ela, os recursos eram distribuídos por decisões tomadas “de cima”, sem qualquer deliberação transparente. “Eu dizia que não era laranja de ninguém. Todo mundo tinha que saber para onde o dinheiro ia”, afirmou em seu depoimento, ressaltando a importância da publicidade na alocação de verbas. Ventura soube de possíveis direcionamentos apenas por meio de informações externas, já que o tema não era submetido à apreciação dos parlamentares. O senador Cleitinho (Republicanos-MG) também levantou suspeitas sobre a atuação de intermediários. Ele relatou à PF que passou a desconfiar após ser abordado por pessoas que se apresentavam como representantes de uma ONG interessada em “parcerias” para emendas, mesmo sem qualquer vínculo com seu estado. “Fiquei com a impressão de que havia gente rodando gabinetes para pedir emenda”, declarou o senador, indicando a presença de um lobby informal e possivelmente irregular. A servidora da Câmara Elza Carneiro


